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domingo, 25 de setembro de 2011

ADORAÇÃO E VENERAÇÃO DE IMAGENS



 O estudo do Sagrado é inseparável do estudo das expressões materiais do Sagrado, mitos, lugares sagrados, animais sagrados, templos, representações pintadas ou esculpidas de divindades. Todas elas são uma tentativa de comunicar uma realidade mais profunda, de difícil acesso cujo todo ser humano busca incessantemente, pois são perguntas fundamentais do ser humano tais como: O que é o mundo? De onde vem o mundo? O que sou eu? Qual é o meu destino? Como explicar os laços que me une ao mundo, ao povo a que pertenço?...  Necessidade humana presente em todos os povos que emerge o Sagrado e a busca da relação com o Mistério.
Foi no Concilio de Calcedônia, em 431, que foi proclamado o monofisismo herético[1]. A Igreja procurou então, expressar a natureza humana de Cristo não só em fórmulas dogmáticas, mas também através da iconografia, que se torna um recurso artístico e catequético, contra os que negam a humanidade de Cristo. Todos os fatos e personagens da vida de Cristo tornam objetos de representação. Mosteiros e igrejas procuram cobrir-se de pinturas.
A crise iconoclasta não é exatamente contra a pintura de imagens, mas contra a sua veneração. A pergunta é: Pode-se ou não venerar a Sagrada Face de Cristo, da Virgem, dos apóstolos, mártires e santos? A proibição da adoração de imagens é clara no Antigo Testamento. Como conciliar a proibição bíblica com uma prática secular? São João Damasceno, na primeira metade do século VIII elabora a tese de conciliação: não se trata de “adorar” uma imagem, mas de “venerar”[2] o mistério nela expresso. As diversas manifestações da vida/mistério de Cristo se tornam objeto de veneração, pois cada uma delas é expressão de sua única Divindade. Não só a Sagrada Face de Cristo, mas cada aspecto de sua vida, bem como de sua Santa Mãe e dos Apóstolos, são extensão de um único grande Mistério, o Mistério da Encarnação. O fundamento bíblico e dogmático, que permitem ultrapassar a proibição vetero-testamentária da confecção de imagens se baseia no fato central do Cristianismo: O Verbo se fez carne.
Deus, o Mistério, passou a ter um rosto, uma história. Aqueles que tornaram e tomam parte neste Mistério também se tornam dignos de ser representados e venerados. A visão da imagem estimula e facilita a oração, ensina S. João Damasceno e isso não pode ser menosprezado.
O ícone é uma “porta de entrada” para a contemplação do mistério infinito, que por ter se tornado humano permitiu ser representado. Daí todo o desenvolvimento de cada detalhe da iconografia, que de forma simbólica, longe de um realismo pictórico, é a expressão ideal de conteúdos de fé e de culto. Seja na oração particular ou na Sagrada Liturgia, o conjunto (palavras, gestos, sons, cantos, aromas, objetos e, é claro, imagens) são uma introdução e permanência diante do Mistério Revelado, do Mistério que tem um rosto.
Nesse sentido é que podemos dizer que a iconografia é expressão e extensão da compreensão do mistério da Encarnação, ou seja, da própria essência do Cristianismo. Um Cristianismo sem rosto, sem história seria a negação de si mesmo. A redução do Cristianismo a um conjunto de idéias ou dogmas ou regras morais sem o Rosto isto é sem os rostos dos que lhe deram origem e lhe dão continuidade será sempre a pior de todas as heresias, porque o Cristianismo é a interação, entre o tempo e a eternidade. A iconografia foi a primeira e grande valorização do humano ao nível de arte no Cristianismo.  Se Cristianismo é a afirmação do humano como lugar da manifestação do Mistério, a iconografia foi a manifestação sensível dessa verdade de fé, para quem o compõe e para quem o contempla.
Tão grande foi à experiência e a manifestação da fé na iconografia que somente no século XIII – XIV, no Ocidente, temos uma nova e grandiosa expressão da relação entre o humano e o divino. Isto é no apogeu da Idade Média e do Humanismo Cristão. O novo ambiente social e cultural, as novas expressões da fé trazidas pelas ordens mendicantes, de modo especial os franciscanos e dominicanos, são o meio onde esta arte floresceu. A Escolástica[3] afirmará: ”nada entra no intelecto se primeiro não passar pelos sentidos”.
 A iconografia foi expressão do “idealismo cristão”, a pintura dos séculos citados principalmente por Giotto e Fra Angelico será a expressão do “realismo cristão”. Não se trata de um realismo que procura “reproduzir“ a realidade, mas de fazer participar quem contempla da cena no evento retratado.
 É a grande interação que se cria o Mistério e o tempo presente, as dores e alegrias do dia a dia, das pessoas comuns, das cenas e ocupações comuns, com aquilo que lhes dá um sentido e uma esperança, pois o Mistério se manifestou para estes que vieram séculos depois.
A promessa do Cristianismo que o Mistério Eterno continua a manifestar-se no tempo, na história, na vida concreta dos homens e mulheres de todos os tempos, como se manifestou na vida dos pescadores da Galiléia. O Verbo se fez carne e continua a estender sua carnalidade no meio de nós e enquanto perdurar a espera por sua volta existirá expressões de arte retratando esta experiência. “Eis que Eu estarei convosco até o fim dos tempos” afirmara Cristo. Todas as manifestações da Pessoa e da Presença de Cristo na história tenderão a expressar em imagens, pois estas comunicam. Como diz S. João na sua epístola. “aquilo que nossos olhos viram que nossas mãos tocaram” do Mistério Eterno.( Parte da Palestra de P. Ulysses no Mosteiro apud www.atelier Santa Cruz).


 






[1] O Monofisismo  (do grego μονο = único) foi uma doutrina cristológica do século V considerada como heresia. Surgiu no seio da igreja de Antioquia elaborada pelo monge Eutiques,  em oposição ao pensamento de Nestório (Nestorianismo).
Eutíques  nega o caráter humano do Filho e, portanto, vendo-o como uma só natureza, a divina. Daí o termo "monofisismo".Nestório (380-451) foi um monge,  Acreditava que em Cristo há duas ou naturezas humana e divina.
[2] No cristianismo, Veneração (do latim veneratio, do grego δουλια, "douleuo" ou "dulia", que significa "honrar") ou Veneração dos santos descreve uma especial devoção aos santos, que são considerados modelos de vida cristã que gozam no Céu da vida eterna, podendo interceder pelos fiéis, sendo a veneração uma forma de prestar-lhes respeito. O Culto Divino está devidamente reservado apenas para Deus (latria) e nunca para o santos. Embora o termo "veneração" ou "culto" seja frequentemente utilizado, verdadeiramente significa apenas prestar honra ou respeito (Dulia) aos santos. Veneração não deve ser confundida com idolatria.

[3] Escolástica (ou Escolasticismo) é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da , ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade Escolástica (ou Escolasticismo) é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da , ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade.

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